domingo, 14 de dezembro de 2008

Rosana Hermann, a certeira

Isenção e opinião

Imagine esta cena: o ator Blota Filho, que é magro, e o apresentador Jô Soares, que é gordo, olhando para um lutador de sumô. Alguém pergunta para os dois observadores se o lutador é gordo ou magro na opinião deles. Blota Filho dirá que o lutador de sumô, como todos os outros, é gordo. Jô, que é gordo mas não é nem cego nem burro, dirá também que o lutador é gordo.

Algum problema? Não, nenhum. Para os padrões médios da população ocidental o lutador de sumô é considerado gordo e isso não depende do peso dos observadores. Porque a verdade observada não depende de quem a observa. Isso se chama isenção. Quando um jornalista descreve um homem como sendo careca isso não quer dizer que ele próprio tenha cabelo. O jornalista pode ser careca também porque a notícia que ele dá independe da aparência que ele, jornalista, tem. Seria bem esquisito ler uma matéria de um jornalista careca escrita assim: um homem calvo, como eu, passava pela avenida...

Infelizmente não é assim que todos pensam. Algumas pessoas acreditam que para apontar uma característica a pessoa não pode tê-la. Assim, só os magros podem dizer que os gordos são gordos. Para essas pessoas Jô Soares, mesmo sendo um homem inteligente e sensato, não pode dizer que o lutador de sumô é gordo porque ele próprio o é. Blota Filho poderia porque ele não tem a característica da obesidade.

Porém, por ser calvo, Blota Filho, na visão dessas pessoas, não poderia dizer que um homem é careca. Já Soares, para ela, impedido de chamar alguém de gordo, poderia chamar todos de carecas já que ele próprio, não o é.

Na lógica estranha dessas pessoas só pessoa perfeita poderia apontar defeitos nos outros, mesmo que de forma isenta. Uma pessoa velha não pode perceber que a outra é velha, uma pessoa feia só poderia chamar de feia alguém que fosse, nesta escala subjetiva, mais feia que ela própria, sob o risco de ouvir dessas pessoas esquisitas a frase 'olha quem está falando'.

O que parece acontecer é que as pessoas que agem assim não conseguem exercer a isenção. Elas se identificam com a característica apontada ou com o o portador da característica e tomam para si as dores do observado e parte para atacar o observador. Assim, se Jô Soares chamar o lutador de gordo, um homem gordo que se projeta no lutador dirá para Jô: "e você, seu balofo, é pior que ele!", como se Jô não soubesse de seu próprio peso. Já um homem magro mas que é fã do lutador de sumô e pensa desse jeito estranho, também atacaria Jô, dizendo coisas como "é o roto falando do rasgado!".

Se quem chamasse o lutador de gordo fosse o Blota Filho, que é magro, diante de um fã do lutador ou alguém gordo como ele, esta pessoa atacaria por outro flanco, com agressões do tipo: 'é melhor ser gordo como ele do que careca como você!"

Algumas pessoas simplesmente não conseguem ver o mundo sem projetarem seus egos sobre tudo. Elas se comparam com tudo e com todos e quando identifcam numa crítica um defeito ou caracaterística que elas próprias apresentam partem para atacar todos os observadores, porque se sentem pessoalmente ofendidas.

Assim, as pessoas que erram muito agridem o observador que aponta um erro de outra pessoa, os que têm medo da idade atacam qualquer pessoa jovem ou idosa que aponta os sinais de envelhecimento do outro, os que se sentem inferiores porque não são muito inteligentes defendem qualquer burro que seja assim apontado.

Em suma e em sumô: a coisa mais difícil do mundo é ter opinião e manter a isenção.

As pessoas vivem tanto na defensiva que defendem até seus defeitos.

Um beijo, um browse, um aperto de mouse da Rosana Hermann - 22h45
#beijonumbriga

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