Não mudo uma vírgula:
SÃO PAULO (mais uma…) - Quem se mete a falar e escrever sobre F-1 no Brasil deve tomar alguns cuidados. Não criticar Ayrton Senna, por exemplo. É certeza de porrada por todos os lados. Ayrton, piloto excepcional e personagem enigmático, foi alçado à posição de santo informal por estas bandas do planeta, muito mais pela forma como morreu, uma espécie de mártir do esporte, do que por aquilo que fez nas pistas — proezas inacreditáveis, vitórias espetaculares, títulos inesquecíveis.
Tivesse seguido a carreira e passado pelos ciclos quase inevitáveis a qualquer esportista — a decadência técnica e o fim da linha, quando não se sabe bem a hora de parar, algo que acho que ele saberia escolher, porque não era bobo —, seria apenas um ídolo. Um grande ídolo, talvez o maior que o país já teve no esporte, mais até do que Pelé, porque Pelé não viveu seu auge numa era midiática como Ayrton e não teve uma emissora poderosa de TV a zelar por sua imagem, graças à amizade pessoal com a voz oficial das corridas (não é preciso insinuar nada aqui; Senna era muito amigo de Galvão Bueno, e isso resultava num viés indesejável das transmissões e coberturas da TV Globo que contrariava o bom jornalismo).
Ocorre que a idolatria a Senna, muitas vezes, passa dos limites. Vira devoção cega. Aí, não é só quem o critica que leva cacetada: basta não elogiá-lo, ou elogiar outros pilotos usando-o como parâmetro, mencionando seus feitos e procurando relativizá-los.
Aconteceu domingo por causa de Vettel. Escrevi que a vitória do alemãozinho em Monza foi um feito mais notável que o segundo lugar de Senna em Mônaco/1984, a corrida que o apresentou para o mundo. E mais notável também que a primeira vitória de Schumacher, de Benetton (equipe que já tinha vitórias no cartel), ou de Alonso, de Renault, ou de Fisichella, de Jordan.
Claro que as reações foram somente à comparação com Mônaco/1984. O tom chega a ser engraçado: “como ousa falar…”, “como tem coragem de dizer…”, “de onde você tirou que…”, “nunca alguém pode comparar nosso Ayrton com…”.
E aí, automaticamente, o elogio a Vettel vira uma crítica a Senna — o que é, evidentemente, um equívoco. A cegueira da devoção leva a isso.
Schumacher foi demonizado por uma parcela dos torcedores brasileiros de F-1 porque superou todos os recordes de Senna. “Ele não conseguiria se Ayrton estivesse vivo…”, “o alemão é um safado, sujo e imoral…”, “com a Ferrari, até eu…”, “a equipe o protegia…”, e por aí vai. O carimbo de inimigo da nação vai demorar a sair de sua testa, como demorou com Prost, piloto do mesmo nível, feito do mesmo material.
O crime maior era (é) dizer que Schumacher foi melhor que Senna. Como Schumacher parou de correr, tal discussão, felizmente, esfriou. Agora o santo nome de Ayrton é evocado de novo para que se trace um paralelo entre ele e este jovem e impetuoso Vettel. Coitado, deve se revirar no túmulo diante de tanta histeria. Senna era tímido, e se tem uma coisa que nunca precisou, foi de gente para defendê-lo. A lembrança daquela corrida de Mônaco é natural, foi um desempenho tão raro quando o do piloto da Toro Rosso, é obrigação de qualquer um que fala/escreve sobre F-1 lembrar daquele episódio tão marcante.
Mas não pode, aquela foi a maior performance de todos os tempos e ponto final. “Como ousa?”.
Uai, eu achei a do Vettel melhor. Posso?
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